Há roupa estendida em todo o lado. As mulheres africanas
lutam contra este tempo do cacimbo - estação seca - para lavarem a roupa e conseguirem que ela
seque com esta humidade.
Hoje estão 25ºC e 57% de humidade. Não é muita, mas é o suficiente para a roupa ter de ficar estendida um dia e meio, ou dois ou três dependendo da peça.
O Desespero da Empregada
Muita gente, muita roupa.
Há aqui muitos portugueses. Logo
há muita roupa.
A São, a africana que limpa a casa, vê-se grega para dar
vazão a tanta roupa:
Lençóis, toalhas de mesa, toalhas de banho, cuecas, meias,
camisas, t-shirts, calças de ganga…
Tudo a secar num estendal interior que até já partiu uma
vareta com o peso.
Ela faz uma ginástica imensa. Estende tudo em todo o lado. Enquanto
isso, resmunga. Quer mais um estendal. As pessoas são mais, e o estendal é só
um.
Cá fora, enquanto escrevo na varanda, aprecio a roupa branca
e colorida que me rodeia por todo o lado. Desde o corrimão às costas das
cadeiras, nada escapa às técnicas da São. Não fossem as diferenças culturais e
isto assemelhar-se-ia à aldeia da roupa branca.
As mulheres são de facto versáteis. Olho as casas em volta e
apercebo-me que todas têm o mesmo desafio. Roupa estendida em cordas
improvisadas, umas a seguir as outras, algumas na diagonal, num autentico
desafio ao sol que quase nunca se mostra por aqui nesta época.
Casas e casas, cordas e cordas. Imensa roupa e imensa cor
que pinta a rua e a enriquece, no meio de árvores e de verde. Mas para mim ganha
o estendal da vizinha com um bebé recém-nascido, cujas roupas pequeninas são no
mínimo uma delícia visual. As calcinhas e camisolinhas dele, junto das fraldas
e lençóis tudo em miniatura ao lado das minúsculas meias, contribuem para o meu
voto. Para mim a vizinha do bebe devia ganhar um prémio, pelo desafio de ser
mulher e de ter bebés pequenos nesta terra vermelha, de pó, na época do
cacimbo!
Vale-nos o sol que procura aparecer por entre as nuvens e insiste
em aquecer a rua. Os pássaros cantam-lhe em agradecimento enquanto voam de
árvore em árvore.
Até a casa em frente à nossa, pintada de amarelo reluz mais ao sol em
forma de imitação e tudo na rua se transforma numa beleza indescritível.
Ainda me faz um pouco de confusão, a luz reflecte-se na terra vermelha e ilumina o cacimbo, sinto-me 'abafado', mas ao mesmo tempo sinto o encanto de um horizonte enevoado.
ResponderEliminarNão se consegue captar nas fotografias, as palavras são inúteis, é como querer explicar o que é o azul a quem nasceu cego.